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Benedito Calixto (1853–1927 - Português: Evangelho nas Selvas - 1893 - Pinacoteca do estado de SP |
TRANSTORNOS
E ULTRAJES
Os jesuítas enfrentaram oposição nos
quatro cantos do globo e até dentro da Igreja Católica
Mário Fernandes Correia Branco. 01/6/2012.
Eles já foram chamados de “usurpadores
do santo nome de Jesus”, “padres intrigantes” e de “inimigos da fé”. O que
talvez possa causar espanto é o fato de esses títulos pejorativos terem sido
atribuídos aos jesuítas por integrantes da própria Igreja Católica. Desde o
início de suas atividades, a história desta ordem religiosa foi marcada por
acusações, estranhamentos e controvérsias. Não se pode negar que os jesuítas
pagaram um alto preço por isso – em vidas, em contratempos e injúrias.
Já se tornou lugar-comum afirmar que a
Companhia de Jesus nasceu com a vocação missionária. Ao se lançarem além dos
limites geográficos da Europa, seus integrantes encontraram uma nova face da
humanidade, até então desconhecida. Fiéis à formação humanista que receberam,
os jesuítas perceberam muito cedo a necessidade de conhecer melhor os povos
originais que habitavam as novas terras, privilegiando o aprendizado das
línguas nativas, o que lhes permitiu desenvolver estratégias inovadoras para a
conversão daquelas populações ao catolicismo.
O sucesso alcançado comprovou o acerto
de suas percepções iniciais. As estratégias de conversão e catequese se
tornaram um verdadeiro método que a Companhia de Jesus legou à posteridade. Mas
a adoção desse modelo,tipicamente jesuítico, enfrentou oposição no seio da
Igreja, principalmente entre os religiosos mais arraigados aos valores de um
cristianismo ainda preso aos tempos medievais.
A vasta correspondência jesuítica
permite identificar a lenta e gradual construção de procedimentos de
catequização e conversão dos nativos ao catolicismo. Do mesmo modo, pode-se
perceber o estabelecimento, em bases sólidas, das estruturas administrativas da
Ordem inaciana na Europa e nas demais regiões em que missionaram.
Em 1542, ao chegar à Índia, Francisco
Xavier (1506-1552) encontrou uma estrutura eclesiástica instalada desde o
início do século XVI. Já a situação vivenciada pelo padre Manuel da Nóbrega
(1517-1570) era muito diferente. Até os primeiros anos da década de 1530, a
presença lusitana no litoral brasileiro era episódica, firmando-se somente com
a instalação do Governo Geral, em 1549. Nessas condições, a fixação do clero em
terras brasílicas era muito incerta.
Em suas primeiras cartas, Nóbrega enviou
aos seus superiores na Europa notícias favoráveis aos colonos e à terra. O
mesmo não se pode dizer de sua impressão inicial sobre o clero que encontrou na
Colônia: “cá há clérigos, mas é a escória”, escreveu em carta de 15 de abril de
1549. De fato, a falta de vocação sacerdotal e o péssimo estado do clero eram
comuns em quaisquer latitudes da cristandade, tanto na Europa quanto na
América. Esse cristianismo tradicional, impregnado de hábitos derivados de
tradições pagãs e repleto de motivações mágicas, horrorizava os Companheiros de
Jesus, que propunham uma depuração dessas condutas, numa direção muito próxima
das decisões que só seriam aprovadas no final do Concílio de Trento, em 1563.
Mas isso foi apenas uma parte dos
problemas que os jesuítas tiveram de enfrentar no trato com os demais
religiosos. O convívio entre Pero Fernandes (c.1495-1556), o primeiro bispo do
Brasil, e os inacianos foi inicialmente afável e cordial, mas os problemas não
tardaram a surgir. Pero Fernandes se opôs às ações desenvolvidas pelos jesuítas
no contato com os nativos e chegou a repreender publicamente o padre Manuel da
Nóbrega. Além disso, os jesuítas enfrentaram dificuldades com os franciscanos e
beneditinos por causa de suas propriedades. As mais recorrentes se prenderam às
questões de limites de terra e partilhas de bens que lhes foram deixados em
testamentos de fiéis devotos.
A Ordem representou, no século XVI, o
que havia de mais moderno em termos de práticas missionárias e estratégias de
contato com os povos nativos. Mas, desde as últimas décadas do século XX, a
Companhia de Jesus tornou-se alvo de inúmeras acusações. Grande parte das
análises surgidas sobre a presença dos europeus no Novo Mundo foi
sistematicamente conduzida pela interpretação de um encontro de culturas. As
hipóteses apresentadas privilegiaram a percepção original do padre dominicano
Bartolomeu de Las Casas (1474-1566), afirmando a violência inaudita e inegável
da conquista e da colonização. As críticas mais recorrentes aos jesuítas
destacam a miopia antropológica dos religiosos, que teriam se mostrado
incapazes de compreender os nativos, sob o disfarce da imposição de uma
religião monoteísta e intolerante.
Esta perspectiva antropológica e
ideológica foi vista de uma forma simplista pela historiografia, como mera
opressão cultural das ordens religiosas sobre os índios. No entanto, criticar
em homens do Renascimento a inexistência das percepções filhas do cientificismo
e netas da Ilustração é cometer um anacronismo. É repetir os epítetos lançados
há mais de 200 anos por aqueles que buscavam a afirmação e a consolidação da
Coroa absolutista frente ao poder da Igreja.
Mário Fernandes Correia Branco é
professor da Universidade Federal Fluminense.
FONTE:
BRANCO, M. F. C. Para a Maior Glória de
Deus e Serviço do Reino: as cartas jesuíticas no contexto da resistência ao
domínio holandês no Brasil do século XVII UFF, 2010. http://www.revistadehistoria.com.br/secao/dossie-imigracao-italiana/transtornos-e-ultrajes.
25/01/2013.
Saiba Mais- Bibliografia
LACOUTURE, Jean. Os Jesuítas: os
conquistadores. Porto Alegre: L.P. & M., 1994.
LEITE, Serafim. Cartas do Brasil e mais
escritos do padre Manuel da Nóbrega. Belo Horizonte: Editora Itatiaia, 2000.
MARTINA, Giacomo. História da Igreja de Lutero
até nossos dias. São Paulo: Loyola. 2001.
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