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sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

TRANSTORNOS E ULTRAJES Os jesuítas enfrentaram oposição nos quatro cantos do globo e até dentro da Igreja Católica Mário Fernandes Correia Branco. 01/6/2012.


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Benedito Calixto (1853–1927 -  Português: Evangelho nas Selvas - 1893 - Pinacoteca do estado de SP

TRANSTORNOS E ULTRAJES

Os jesuítas enfrentaram oposição nos quatro cantos do globo e até dentro da Igreja Católica
Mário Fernandes Correia Branco. 01/6/2012.

Eles já foram chamados de “usurpadores do santo nome de Jesus”, “padres intrigantes” e de “inimigos da fé”. O que talvez possa causar espanto é o fato de esses títulos pejorativos terem sido atribuídos aos jesuítas por integrantes da própria Igreja Católica. Desde o início de suas atividades, a história desta ordem religiosa foi marcada por acusações, estranhamentos e controvérsias. Não se pode negar que os jesuítas pagaram um alto preço por isso – em vidas, em contratempos e injúrias.

Já se tornou lugar-comum afirmar que a Companhia de Jesus nasceu com a vocação missionária. Ao se lançarem além dos limites geográficos da Europa, seus integrantes encontraram uma nova face da humanidade, até então desconhecida. Fiéis à formação humanista que receberam, os jesuítas perceberam muito cedo a necessidade de conhecer melhor os povos originais que habitavam as novas terras, privilegiando o aprendizado das línguas nativas, o que lhes permitiu desenvolver estratégias inovadoras para a conversão daquelas populações ao catolicismo.

O sucesso alcançado comprovou o acerto de suas percepções iniciais. As estratégias de conversão e catequese se tornaram um verdadeiro método que a Companhia de Jesus legou à posteridade. Mas a adoção desse modelo,tipicamente jesuítico, enfrentou oposição no seio da Igreja, principalmente entre os religiosos mais arraigados aos valores de um cristianismo ainda preso aos tempos medievais.

A vasta correspondência jesuítica permite identificar a lenta e gradual construção de procedimentos de catequização e conversão dos nativos ao catolicismo. Do mesmo modo, pode-se perceber o estabelecimento, em bases sólidas, das estruturas administrativas da Ordem inaciana na Europa e nas demais regiões em que missionaram.

Em 1542, ao chegar à Índia, Francisco Xavier (1506-1552) encontrou uma estrutura eclesiástica instalada desde o início do século XVI. Já a situação vivenciada pelo padre Manuel da Nóbrega (1517-1570) era muito diferente. Até os primeiros anos da década de 1530, a presença lusitana no litoral brasileiro era episódica, firmando-se somente com a instalação do Governo Geral, em 1549. Nessas condições, a fixação do clero em terras brasílicas era muito incerta.

Em suas primeiras cartas, Nóbrega enviou aos seus superiores na Europa notícias favoráveis aos colonos e à terra. O mesmo não se pode dizer de sua impressão inicial sobre o clero que encontrou na Colônia: “cá há clérigos, mas é a escória”, escreveu em carta de 15 de abril de 1549. De fato, a falta de vocação sacerdotal e o péssimo estado do clero eram comuns em quaisquer latitudes da cristandade, tanto na Europa quanto na América. Esse cristianismo tradicional, impregnado de hábitos derivados de tradições pagãs e repleto de motivações mágicas, horrorizava os Companheiros de Jesus, que propunham uma depuração dessas condutas, numa direção muito próxima das decisões que só seriam aprovadas no final do Concílio de Trento, em 1563.

Mas isso foi apenas uma parte dos problemas que os jesuítas tiveram de enfrentar no trato com os demais religiosos. O convívio entre Pero Fernandes (c.1495-1556), o primeiro bispo do Brasil, e os inacianos foi inicialmente afável e cordial, mas os problemas não tardaram a surgir. Pero Fernandes se opôs às ações desenvolvidas pelos jesuítas no contato com os nativos e chegou a repreender publicamente o padre Manuel da Nóbrega. Além disso, os jesuítas enfrentaram dificuldades com os franciscanos e beneditinos por causa de suas propriedades. As mais recorrentes se prenderam às questões de limites de terra e partilhas de bens que lhes foram deixados em testamentos de fiéis devotos.

A Ordem representou, no século XVI, o que havia de mais moderno em termos de práticas missionárias e estratégias de contato com os povos nativos. Mas, desde as últimas décadas do século XX, a Companhia de Jesus tornou-se alvo de inúmeras acusações. Grande parte das análises surgidas sobre a presença dos europeus no Novo Mundo foi sistematicamente conduzida pela interpretação de um encontro de culturas. As hipóteses apresentadas privilegiaram a percepção original do padre dominicano Bartolomeu de Las Casas (1474-1566), afirmando a violência inaudita e inegável da conquista e da colonização. As críticas mais recorrentes aos jesuítas destacam a miopia antropológica dos religiosos, que teriam se mostrado incapazes de compreender os nativos, sob o disfarce da imposição de uma religião monoteísta e intolerante.

Esta perspectiva antropológica e ideológica foi vista de uma forma simplista pela historiografia, como mera opressão cultural das ordens religiosas sobre os índios. No entanto, criticar em homens do Renascimento a inexistência das percepções filhas do cientificismo e netas da Ilustração é cometer um anacronismo. É repetir os epítetos lançados há mais de 200 anos por aqueles que buscavam a afirmação e a consolidação da Coroa absolutista frente ao poder da Igreja.

Mário Fernandes Correia Branco é professor da Universidade Federal Fluminense.

FONTE:
BRANCO, M. F. C. Para a Maior Glória de Deus e Serviço do Reino: as cartas jesuíticas no contexto da resistência ao domínio holandês no Brasil do século XVII UFF, 2010. http://www.revistadehistoria.com.br/secao/dossie-imigracao-italiana/transtornos-e-ultrajes. 25/01/2013.

Saiba Mais- Bibliografia

LACOUTURE, Jean. Os Jesuítas: os conquistadores. Porto Alegre: L.P. & M., 1994.
LEITE, Serafim. Cartas do Brasil e mais escritos do padre Manuel da Nóbrega. Belo Horizonte: Editora Itatiaia, 2000.
MARTINA, Giacomo. História da Igreja de Lutero até nossos dias. São Paulo: Loyola. 2001.

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