Os jesuítas chegaram ao Congo ainda em 1548, favorecidos pela conversão do governante do Reino do Congo. |
SOLDADOS
DE CRISTO
Em defesa de uma Igreja Católica acuada
pela Reforma Protestante, os jesuítas ganharam o mundo. Ronaldo Vainfas - 01/6/2012.
Criada em 1534 por iniciativa de Inácio
de Loyola (1491-1556), a Companhia de Jesus foi um modelo de ordem religiosa
nascida da Contrarreforma – ou da Reforma Católica, como quer a historiografia
recente. A fundação da Societas Iesu ocorreu quase 20 anos depois de Martinho
Lutero (1483-1556) afixar suas 95 teses na Catedral de Wittemberg, dividindo a
cristandade romana. Os jesuítas se esforçaram ao máximo para defender uma
Igreja acuada. E, assim, correram o mundo. Na Europa, procuravam reforçar o
catolicismo por meio do ensino. Nas conquistas ultramarinas ibéricas,
procuravam expandi-lo pela catequese. Desde cedo, afirmaram a vocação da
Companhia e, não por acaso, seriam chamados de “soldados de Cristo”.
Natural do país basco, Loyola estudava
na Universidade de Paris quando criou uma congregação voltada para a propagação
da fé católica no mundo. E os jesuítas levaram ao limite aquilo que os
franciscanos e dominicanos haviam começado no final da Idade Média: difundir a
fé junto ao povo. No preâmbulo das Constituições inacianas, o ânimo missionário
aparece com nitidez: “procurar ajudar, com a graça divina, a salvação e
perfeição dos próximos”.
Em 1540, o papa Paulo III aprovou o
instituto inaciano, e os jesuítas se lançaram ao Oriente português, sob a
batuta de Francisco Xavier (1506-1552). No mesmo século, alcançaram a China,
onde o padre Matteo Ricci (1552-1610) iniciou a adaptação do cristianismo à
língua chinesa falada em Macau. Em 1549, chegaram ao Japão, onde Luís Fróes
traduziu o cristianismo para a cultura local, experiência que terminou em
tragédia, pois os jesuítas acabaram martirizados, em 1638, após uma revolta de
camponeses cristãos.
No mundo atlântico, alcançaram o Congo
ainda em 1548, favorecidos pela conversão do manicongo, o governante do Reino
do Congo, ao cristianismo. Logo se instalaram em Angola, fundando o colégio de
Luanda. Como no Oriente, traduziram o cristianismo para a cultura dos povos
bantos. Essa missionação da África centro-ocidental põe em xeque a tese de que
os escravos enviados ao Brasil desconheciam o cristianismo.
Ao Brasil, eles chegaram em 1549,
liderados por Manuel da Nóbrega (1517-1570). Defrontando-se com uma sociedade
menos complexa que as orientais, os jesuítas julgaram, de início, que a
catequese seria mais fácil, e alguns chegaram a escrever que os tupinambás não
tinham religião. Nóbrega esboçou em 1557 seu plano de aldeamento, cujo passo
inicial era deslocar os índios para aldeias controladas pelos padres. Missionar
no mundo indígena era ineficaz e perigoso: um deles, Pedro Correia, fora comido
pelos carijós, na região de Cananeia, em 1554.
Com muito esforço, sobretudo na
doutrinação das crianças, construíram “índios cristãos”. Estes acabariam
reforçando os portugueses na conquista da terra, como na Guanabara, onde os
temiminós destroçaram, em 1567, a resistência dos tamoios.
Também no Brasil os inacianos adaptaram
o catolicismo à cultura local, no caso a tupi, a começar pela Gramática de José
de Anchieta (1534-1597). Escrita em 1556, tornou-se leitura obrigatória para os
regedores das aldeias. Em todo caso, tiveram que enfrentar a resistência das
tradições nativas. Obstáculo maior enfrentado pela Companhia foi a avidez dos
colonos em escravizar os nativos. Os jesuítas resistiram em toda parte,
sobretudo no século XVII, arrancando da Coroa leis proibitivas do cativeiro
indígena. Os colonos, por sua vez, sempre pressionaram pelo direito de apresar
os índios em “guerra justa”, isto é, em suposta represália a índios hostis.
Em 1640, colonos do Rio de Janeiro
cercaram o colégio do morro do Castelo acusando os jesuítas de mentores de nova
lei proibitiva do cativeiro. Foi a “Botada fora dos padres”, que só não foram
mortos graças à intervenção do governador Salvador Correia de Sá e Benevides.
No mesmo ano foram expulsos de São Paulo, só regressando em 1653. No Maranhão,
foi Antônio Vieira (1608-1697) quem enfrentou os colonos. Os padres foram
corridos dali em 1661, mas Vieira conseguiu autorização para seu retorno um ano
depois.
Também na América Espanhola os jesuítas
se destacaram. Mas ali só chegaram nos anos 1560. Tiveram que disputar espaço
com dominicanos e franciscanos, pioneiros na catequese do México e do Peru.
Acabaram dominando a catequese somente no sul, junto aos guaranis, no atual
Paraguai. Estenderam a missão ao continente de São Pedro, no atual Rio Grande
do Sul, fundando os Sete Povos das Missões.
Ao longo do século XVII, a Companhia se
consolidou como instituição de poder no mundo católico. Sediada em Roma, era
dividida em Assistências (europeias), subdividas em Províncias. Por mais que
estivessem associados a reis católicos, o soberano da Companhia era o papa.
Os colégios inacianos se espalharam por
todos os continentes, atravessando os sete mares. Formavam professores,
intelectuais e missionários. Dominaram o ensino em várias universidades, como a
de Coimbra, consolidando a neoescolástica, com ênfase no estudo filosófico e
teológico. Produziram intelectuais como Martin Azpicuelta Navarro, Juan de
Mariana, Francisco Suarez, Baltazar Gracián e Antônio Vieira. Este último foi
um autêntico ideólogo da Restauração portuguesa, na década de 1640, contra a
dominação do reino pelos espanhóis. Legitimou o reinado de D. João IV
(1640-1656) como manifestação da vontade divina, superando a polêmica sobre
qual dinastia deveria reinar em Portugal – Bragança ou Habsburgo. Foi Vieira
quem fez de D. João IV o herdeiro simbólico de D. Sebastião (1568-1578).
Neste embate pelo rei, Vieira enfrentou
a Inquisição portuguesa, de olho no apoio que os judeus portugueses podiam
oferecer à causa da Restauração. Mas a Companhia de Jesus e a Inquisição
portuguesa nunca foram muito amigas. Basta lembrar a estratégia missionária dos
jesuítas, calcada na adaptação do catolicismo à cultura dos povos missionados,
enquanto a Inquisição era obcecada pelo ideal de pureza da fé, sem mistura de
nenhum tipo.
Os serviços prestados pelos jesuítas à
Igreja de Roma e às Coroas ibéricas transformaram a Companhia em uma potência
econômica. Como de início ela foi beneficiada por doações e alguma esmola real,
os jesuítas enriqueceram, metendo-se em todo tipo de negócio: emprestavam
dinheiro, alugavam casas, controlavam o comércio das aldeias, arrendavam
terras. Formaram vasto patrimônio fundiário nas Américas. Nas propriedades da
Companhia, a escravidão africana era largamente utilizada. Não por acaso, os
jesuítas se empenharam em justificar a legitimidade do “cativeiro dos etíopes”,
como Alonso de Sandoval em Nova Granada e Vieira no Brasil. No entanto, sempre
combateram os senhores leigos pelo excesso de castigos e negligência na
doutrinação dos africanos. Tudo em prol de seu lema: Ad majorem Dei gloriam
(para a maior glória de Deus).
Na segunda metade do século XVIII, as
Coroas ibéricas bateram de frente com os jesuítas, a começar pela portuguesa,
no tempo do marquês de Pombal. Muitos alegam que o problema residia na riqueza
dos jesuítas, alvo da cobiça real. Outros destacam a fidelidade deles ao papa,
um “soberano estrangeiro”, e não ao rei. Há quem destaque o papel dos jesuítas
na Guerra Guaranítica (1753-56), quando os índios aldeados enfrentaram tropas
luso-espanholas, desafiando o Tratado de Madri, que definia os limites das
colônias espanholas e portuguesas. Tudo isto teve o seu peso. Mas talvez o mais
importante tenha sido a hegemonia intelectual que os inacianos exerciam no
mundo ibérico, o que contrariava o projeto de modernização do despotismo
ilustrado, isto é, um conjunto de reformas adotadas pela Coroa, sob a
inspiração de alguns ideais iluministas, na segunda metade do século XVIII.
O fato é que, por decreto de 1759, os
jesuítas foram expulsos de Portugal e das colônias, tendo todos os bens
confiscados. Outras monarquias seguiram o exemplo luso, por convicção ou
interesse: a França, em 1762; a Espanha e o reino de Nápoles, em 1767; o ducado
de Parma, em 1768. Em 1773, sob forte pressão, o papa Clemente XIV,
franciscano, extinguiu a Companhia. Os inacianos foram presos e vários deles ingressaram
em outras ordens.
Por incrível que pareça, os jesuítas
foram atraídos por Catarina, a grande, czarina da Rússia ortodoxa, e pelo
luterano Frederico Guilherme II, rei da Prússia, que viram o potencial dos
inacianos como professores. Os jesuítas tiveram que esperar até 1814 para ver
sua Companhia restaurada. Depois do furacão napoleônico, a Roma dos papas
percebeu que precisava deles outra vez.
Ronaldo Vainfas é professor da
Universidade Federal Fluminense e autor de A heresia dos índios: catolicismo e
rebeldia no Brasil colonial (Cia. das Letras, 2010).
FONTE:
RONALDO, Vainfas. Soldados de Cristo. Revista
de História.com.br. A heresia dos índios: catolicismo e rebeldia no Brasil colonial.
Cia. das Letras, 2010. http://www.revistadehistoria.com.br/secao/dossie-imigracao-italiana/soldados-de-cristo.
25/01/2013.
BIBLIOGRAFIA:
AGNOLIN, Adone. Jesuítas e selvagens – a
negociação da fé. São Paulo: Humanitas, 2007.
ASSUNÇÃO, Paulo. Negócios jesuíticos.
São Paulo: Edusp, 2009.
FRANCO, Eduardo & TAVARES, Célia
Cristina. Jesuítas e Inquisição – cumplicidades e confrontações. Rio de
Janeiro: EdUerj, 2007.
Nenhum comentário:
Postar um comentário